Mãe


Por favor mãe, dás-me liberdade? Posso visitar um amigo sem ter de ir contigo atrelada a mim? Posso ir a Coimbra sem que tu tenhas que vir comigo, sou irresponsável? Não é isso que dizem. Mãe, deixa-me ser, deixa-me viver, deixa-me... rejuvenescer! Por favor!
Ainda ontem te disse "Quando tiver 18 anos nunca mais me pões a vista em cima". Choraste porquê? Não estavas à espera? Não estavas à espera que a minha falta de liberdade ME IA AFECTAR? MÃE! PÁRA DE ME DEPRIMIR E OPRIMIR, POR SEGUNDOS ODEIO-TE!!!!!!!!!!!!!!!!!


No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...

Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -,
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..."

Mas - tu sabes! - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...

Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...

Boa noite. Eu vou com as aves!


Eugénio de Andrade, in Antologia Breve



Comments

4 Responses to "Mãe"

AdamWilde disse... 2 de junho de 2010 às 18:58

Ela só está a fazer o que acha que é melhor para ti e, embora não pareça entender, só está a fazer pior... Tenta falar com ela e diz lhe tudo aquilo que escreves-te aqui.
Ela só te quer bem!

Bjs ;)

P.S: É o meu poema preferido!

Unknown disse... 2 de junho de 2010 às 20:16

É uma pena. Acho que deves te agarrar ao melhor que tens na vida, e aproveitares o que tens. É a única coisa que te posso dizer.

Boa sorte e lembra-te que podes sempre contar comigo.

Anónimo disse... 2 de junho de 2010 às 20:37

Quando o amor é imposto pela autoridade ou por egoismo, é como erguer uma muralha, obrigando o alvo desse amor a ter se saltar e libertar-se para sempre.

Espero a tua inteligência, para perdoares os que te mesquinham agora, porque acredita a tua mãe será o mal menor, a imcompreesão dela neste momento prendem-se por razões que dentro de algum tempo (2 ou 3 anos) deixaram de existir, será então para ela o fim, mas espero que com sabedoria e paciencia, consigas transformar o quase ódio em perdão.


Muitos pais quando eram filhos expunham nas paredes dos seus quartos os versos que repito em baixo, parece que quanto tem filhos a primeira coisa que fazem é rasgar este estandar-te

Teus filhos não são teus filhos
são filhos e filhas da vida
anelando por si própria
Vêm através de ti, não de ti,
e, embora estejam contigo,
a ti não pertencem
Podes dar-lhes teu amor,
mas não teus pensamentos, pois que
eles têm seus pensamentos próprios
Podes abrigar seus corpos,
mas não suas almas, pois que
suas almas residem na casa do amanhã,
que não podes visitar
sequer em sonhos
Podes esforçar-te por te parecer com eles,
mas não procures fazê-los
semelhantes a ti,
pois a vida não recua,
e não se retarda no ontem
Tu és o arco do qual teus filhos
como flechas vivas,
são disparadas
Que a tua inclinação, na mão do arqueiro,
seja para a ALEGRIA"

Kahlil Gibran

Bem Hajas Amigo

Fenix

João Roque disse... 5 de junho de 2010 às 18:43

Este poema de Eugénio de Andrade é magnifico, pois embora de contestação, não é de revolta.

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